Com fachada laranja e arquitetura inspirada no período colonial, a sorveteria Il Sordo, localizada no bairro da Barra, em Salvador, é um espaço onde a inclusão tem lugar.
Cada gesto, cada sorriso, confirma que ali, a Língua Brasileira de Sinais (Libras) — a linguagem das mãos — é a principal forma de comunicação. Mais do que um ponto comercial, Il Sordo é um espaço de acolhimento e pertencimento, onde o fluxo do dinheiro se entrelaça com o fortalecimento da comunidade surda da capital baiana.
A proposta do Il Sordo Bahia surgiu durante uma viagem do professor Rafael Andrade, 41, para Aracaju (SE). “Conheci a Il Sordo Gelato em uma viagem para Aracaju e gostei da proposta, e quis trazer a ideia para Salvador”, lembra em entrevista ao BNEWS. Foi assim que em 2021, a capital baiana ganhou um empreendimento especializado em atendimento para pessoas com deficiência auditiva.
Presente em três estados brasileiros — São Paulo, Sergipe e Bahia — o comércio tem como missão empregar exclusivamente pessoas surdas. Em Salvador, a sorveteria conta com uma equipe de cinco funcionários — todos surdos – e funciona todos os dias da semana, de segunda a domingo.
“Trabalhamos com gelatos artesanais, tortas, steccos, brawne e mais”, pontua. Apesar da especialidade Rafael destacar que “nenhum cliente fica sem entender ou sem ser atendido, pois temos uma clientela diversificada”.
A comunidade surda tem o il Sordo como um lugar especial, onde todos falam a sua língua e eles se sentem em casa e acolhidos”, celebra Rafael.
Hoje, unindo as franquias de Sergipe e Bahia, o comércio tem um “faturamento dentro do planejado”, como aponta o empreendedor. As duas lojas faturaram o equivalente a R$ 1,8 milhões em 2024. “Nossa expectativa é abrir mais um ou dois pontos de vendas para melhorar cada vez e criar ainda mais oportunidades de empregos para pessoas surdas”.
DESAFIOS E FORMAÇÃO PROFISSIONAL
Apesar do sucesso, Rafael ainda não consegue viver apenas do comércio e para completar a renda segue atuando como professor. “Os desafios de ser empreendedor são os mesmos, mas nós temos ainda que enfrentar o desconhecimento da libras e o reconhecimento da capacidade de trabalho da pessoa surda”, desabafa o empreendedor.
Para Luana Rodrigues, CEO da Quero Ser Intérprete — empresa especializada na tradução, interpretação e ensino da Libras — , destaca que oportunizar vagas para pessoas surdas não é somente uma questão de inclusão, mas sim de humanidade.
A presença de pessoas surdas ou de qualquer outra pessoa com algum tipo de deficiência no mercado de trabalho, é importante, não somente pela questão da inclusão. Mas principalmente, sobre potencial, habilidades e oportunidade. É humano que todas as pessoas tenham oportunidades na sua vida profissional”, conta a reportagem do Bnews.
“A falta de comunicação gera impactos negativos na rotina e na vida de qualquer pessoa. No caso dos surdos que estão inseridos no mercado de trabalho, as empresas que recebem esse público enfrentam consequências ainda mais significativas ao não investirem em comunicação acessível. Algo que sempre ressalto é que o surdo já domina sua língua; portanto, cabe ao ouvinte — pessoas não surdas — buscar a comunicação. Nesse contexto, a limitação não está no surdo, mas sim no ouvinte, que não conhece a Libras”, diz.
A especialista também destaca que, para as pessoas surdas fora do mercado de trabalho, o problema começa “desde a divulgação de uma vaga, ao processo de entrevistas”.
“Os desafios enfrentados são o acesso à comunicação clara e fluida. Desde a divulgação de uma vaga, ao processo de entrevistas e após a contratação, o Surdo não tem acesso pleno ao que ele irá enfrentar em sua língua. Logo, ele não tendo acesso, ele não terá perspectiva dentro daquele ambiente de trabalho, estando ali somente para cumprimento de cotas, sendo que ele poderia buscar conquistas internas. Mas isso é impedido pela falta de acesso pleno a tudo o que a empresa faz. Afinal, ter intérprete de libras na entrevista e em alguns eventos e reuniões, não é acessibilidade”, encerra Luana.
Em conversa com a reportagem do BBNEWS, Letícia Sampaio, analista técnica do Sebrae Bahia, revelou algumas estratégias da instituição para contribuir na formação de empreendedoras PCDs.
Fonte: BNews