Odrus nasceu surdo e colore as paredes das cidades do quadradinho do DF há 20 anos
Rafael Odrus, de 38 anos, é o primeiro grafiteiro surdo do Brasil. O nome artístico é um anagrama da condição que carrega desde que nasceu. Conhecido no Distrito Federal pela arte urbana, ele teve que se reinventar durante a pandemia do novo coronavírus. Com o distanciamento social, os trabalhos remunerados diminuíram e as lacunas na acessibilidade à comunicação on-line ficaram ainda mais evidentes.
“Participei de duas lives. É difícil essa forma de me apresentar, porque faltam intérpretes de libras (Língua Brasileira de Sinais)”, conta Rafael, que também tentou acompanhar outras transmissões, mas não conseguiu, devido à ausência de tradução.
Segundo ele, o cenário poderia ser diferente se houvessem medidas como ensino de libras aos estudantes, desde o início da fase escolar. Desse modo, vivenciaríamos uma completa integração dos surdos na sociedade.
Enquanto isso não acontece, ele sonha em ajudar crianças a se encontrarem na arte. “Meu grande sonho é desenvolver um projeto na periferia com aulas de grafite, dança, música, que inclua também as pessoas com deficiência, especialmente surdos, que não têm acesso a essas manifestações culturais”, afirma.
Odrus também já participou de outros projetos sociais, como a oficina de grafite para crianças não ouvintes no Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM) e na Unidade de Internação do sistema socioeducativo de Planaltina. Cada ação como essa é embasada na crença de Rafael de que a arte pode transformar vidas.
Galeria a céu aberto
Artista autodidata há mais de 20 anos, Odrus se ocupa colorindo as cidades administrativas do DF. Ele foi um dos primeiros a levar a arte urbana para a cidade de Santa Maria, em 2001. O trabalho ampliou os horizontes do brasiliense, que já viajou para sete países com o intuito de propagar o grafite.
Ele participou de exposições renomadas, como a Mundez, no Museu Nacional de Brasília; e a ECCO, e já foi convidado para participar de eventos internacionais nos Estados Unidos, França, Espanha, Panamá, África do Sul, Alemanha e Canadá.
Ele também deixou sua marca por outros pontos do DF, como Ceilândia, Sobradinho, Riacho Fundo 2, Brazlândia, Luziânia e Valparaíso. “É importante ter arte na favela. É um lugar de grande violência, que as pessoas sofrem muito. A arte me salvou e acredito que pode salvar outras pessoas, se ensinarmos às crianças um caminho melhor”, celebra.
Durante a quarentena, Odrus se aventurou na arte digital:
Vivência
Rafael é pai de cinco filhos e nasceu com surdez bilateral profunda, ou seja, nunca ouviu completamente. Ele não completou o ensino médio por conta de dificuldades na comunicação. Atualmente, além dos trabalhos com a arte urbana, atua na Associação de Centro de Treinamento de Educação Física Especial (Cetefe), documentando e arquivando processos.
Sofri muito preconceito desde a infância por ser negro, pobre e surdo”, conta. “Demorei para aprender libras. Estudei numa escola onde queriam que eu aprendesse a falar. Ficava sozinho, não brincava com outras crianças. Lembro que chorava muito por não ter amigos e outras crianças para brincar, sentia muita falta da minha mãe
A vivência de Rafael transparece em seus trabalhos, que mostram, com sensibilidade, as dores de quem é marginalizado por ser diferente ou por ser negro. Odrus enfatiza o lado social e prega a valorização das pessoas negras, da cultura surda e das comunidades periféricas.
“Minha emoção e inspiração para pintar as ruas vem de tudo que eu vivi. Sou negro e cresci na periferia. Senti na pele todas as dores de ser preto, pobre e surdo”, diz. “Me sinto muito feliz em ver a cidade que moro toda colorida, cheia de vida e histórias nas paredes”.
Fonte: Metrópoles