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Uso da proteção dificulta leitura labial e das expressões, dizem pessoas com deficiência. Grupo no DF sugere uso de máscaras com transparência; veja alternativas.

O uso obrigatório das máscaras faciais proporciona proteção em tempos de pandemia do novo coronavírus. Mas, ao mesmo tempo, é um desafio para a comunicação de pessoas surdas, já que o item cobre a boca e impede a leitura labial.

Segundo um levantamento da Companhia de Planejamento (Codeplan) do Distrito Federal, em Brasília vivem 4.069 pessoas com deficiência auditiva. Os dados são de 2018, quando foi feito o último levantamento.

Consultor Joaquim Emanuel Barbosa, de 40 anos, é surdo oralizado: ele não escuta, mas consegue falar

O consultor Joaquim Emanuel Barbosa, de 40 anos, é surdo oralizado – ele não escuta, mas consegue falar. Ele também é fluente na Língua Brasileira de Sinais (Libras) que usa gestos, expressões faciais e corporais.

“O isolamento acaba sendo maior para nós por conta dessa falta de comunicação.”

Apesar de cumprir à risca o isolamento social e sair apenas para necessidades específicas, como ir à farmácia ou ao posto de saúde, Joaquim conta que já ficou sem atendimento nesses locais por não conseguir entender o que as pessoas falam.

“As pessoas não podem tirar a máscara para se comunicar comigo, então tenho que pedir que se comuniquem por meio de texto escrito, só que às vezes as pessoas não têm paciência”, explica.

Acessibilidade e informação
Já o professor de licenciatura em Libras Messias Ramos Costa, da Universidade de Brasília (UnB), conta que a falta de acessibilidade tem dificultado o acesso às informações oficiais sobre a doença. Ele afirma, inclusive, que só soube das medidas de prevenção um tempo depois.

“O cuidado em deixar o sapato do lado de fora, tirar a roupa e tomar banho assim que a pessoa chega em casa., essas e outras orientações eu só tive depois que todos já estavam fazendo.”

O professor explica que para alguns surdos oralizados, a máscara facial com detalhe em transparência pode ajudar na hora da comunicação. Já para aqueles que dependem exclusivamente da Libras, uma máscara especial, que possui um símbolo desenhado de duas mãos, está sendo usada (veja imagem no topo da matéria).

“Isso simboliza que nossa comunicação é feita por meio da Libras e precisamos de auxílio.”

Alternativas
Para o consultor de acessibilidade Joaquim Barbosa, as máscaras “face shields” – feitas de acrílico e que cobrem todo o rosto – podem ser uma opção.

Não sei se são as ideais para todos usarem, mas creio que seja a melhor opção para nós.”

No Rio de Janeiro, sentindo a mesma dificuldade que os moradores do DF, uma mãe criou uma máscara transparente para ajudar o filho surdo na leitura labial. A aposentada Edna Brum Lopes desenvolveu um modelo transparente usando materiais simples, que podem ser encontrados em casa. No vídeo abaixo, ela dá a dica de como fazer em casa.

O mesmo correu em Minas Gerais. Na cidade de Poços de Caldas, mãe e filha produziram uma máscara caseira com adaptação para as pessoas surdas.

Língua de sinais
A fonoaudióloga Marcela Faulstich explica que a máscara tira a expressão facial e que, por isso, acaba se tornando um desafio para aqueles que dependem dessa forma de comunicação.

“Quem tem alguma perda auditiva em algum grau e não os lábios, sofre um prejuízo, sim, na comunicação e na compreensão.”

Marcela explica que as expressões são fundamentais na linguagem de sinais. “Quando falamos em linguagem de sinais, temos que considerar também as expressões faciais que acompanham essa linguagem, elas fazem parte. Então, a Libras é composta pelas mãos e pelas expressões faciais, não pela oralização, porque não se fala.”

A professora Adriana Gomes Batista, moradora do DF, é surda oralizada, ou seja, consegue falar, mas não escuta. Fluente em libras, ela dá aulas na Escola Bilíngue de Taguatinga.

Adriana acha bem-vinda a ideia das máscaras com transparência. “Acho que seria legal, ficaria mais fácil de se comunicar”, disse.

Surdos ou deficientes auditivos?

A professora Adriana Gomes Batista é surda e acha difícil usar máscaras convencionais porque não consegue fazer a leitura labial

De acordo com a fonoaudióloga Marcela Faulstich, surdos oralizados são aquelas pessoas que já tiveram contato com o som, mas em algum momento da vida perderam a audição.

“Ele vai ser um orador, ele vai conseguir falar porque ele tem uma memória auditiva do som. Então, a leitura labial vai auxiliar no que o outro tá falando porque ele tem um modelo definido no cérebro.”

Mesmo sabendo se comunicar por meio da fala, muitos surdos oralizados são fluentes em Libras, por ser a primeira língua ensinada após a perda da audição. Já os deficientes auditivos são os que têm mais facilidade em resgatar a fala porque “foram perdendo em graus a audição e não nasceram assim”, aponta Marcela.

“Assim como a perda visual, em que você pode perder graus de visão, perdem-se graus de audição, e nesse caso, nós não consideramos surdez, consideramos como deficiência auditiva ou perda auditiva, que pode ser em grau leve, moderado, severo, e até profundo”, afirma a fonoaudióloga.

Mas, independentemente de serem deficientes auditivos ou surdos, Marcela explica que a Libras continua sendo a melhor opção de se comunicar com esse grupo.

Libras
De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no Brasil, mais de 10 milhões de pessoas possuem deficiência auditiva. O número corresponde a 5% da população, mesmo assim a maior parte dos brasileiros não sabe se comunicar pela Linguagem Brasileira de Sinais (Libras). Por isso, muitos surdos recorrem a leitura labial.

Conforme a Codeplan, 0,9% da população do DF declara possuir algum tipo de deficiência auditiva. Desse total, 90% fazem uso da Língua Brasileira de Sinais.

A linguagem é considerada a língua materna, por ser a primeira a ser aprendida. As línguas de sinais usam gestos e movimentos para substituir a comunicação por meio de sons.

Elas têm léxico e gramática próprios. Assim como cada povo desenvolveu seu idioma oral, cada comunidade criou sua língua de sinais. Portanto, há versões diferentes, de acordo com o país.

O sistema brasileiro é derivado da língua de sinais que se desenvolveu ao longo dos anos no país e também da língua gestual francesa. Por isso, tem semelhanças com línguas de sinais da Europa e da América.

A libras foi oficialmente reconhecida como uma língua brasileira em 2002, na Lei nº 10.436, de 24 de abril. O projeto da então senadora Benedita da Silva (PT-RJ) foi aprovado no Congresso e sancionado pelo presidente Fernando Henrique Cardoso.

Fonte: G1

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