Dificuldade de aprendizado, de representação, de acesso ao material didático e abalo na autoestima, por se achar culpada por não conseguir compreender o conhecimento dado em sala de aula. Essas foram apenas algumas das dificuldades enfrentadas ao longo da vida da professora Pâmela Matos, hoje docente na Universidade Federal Rural da Amazônia (UFRA). A professora diz que sua realidade é a mesma das 9,7 milhões de pessoas surdas no Brasil, em um comparativo com os dados do último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), realizado em 2010.
Doutoranda em educação, vice-coordenadora do curso de Letras/Libras regular da Ufra e coordenadora do Letras/Libras na modalidade do Parfor, Pâmela descreve como foi o percurso para chegar até aqui. “Antes a Libras não era reconhecida legalmente e eu desconhecia essa língua. Logo, a inclusão não existiu no meu processo educacional, e fui inserida, na verdade, privada do processo de aprendizagem dos conteúdos escolares. E isso me trazia o sentimento de culpa, porque eu não aprendia, porque eu não conseguia assimilar, então eu me responsabilizava por todos esses prejuízos. Aprender Libras foi um despertar, a possibilidade de ter uma vida melhor. Foi por meio dela que eu descobri que eu não poderia carregar essa culpa, foi por meio dela que que atentei que os professores não eram bilingues e não atendiam as necessidades específicas do aluno, que não percebiam a minha dificuldade linguística”, diz.
Segundo a professora, o gargalo começa no ensino básico, com a ausência de intérpretes de Libras e professores ainda inabilitados para lidar com um aluno surdo. “Existem as leis, mas na prática não acontecem. Não tem profissionais fluentes, não conhecem as necessidades específicas do aluno surdo, não desenvolvem metodologias e didáticas para esse ensino, só se pensa na maioria, é tudo voltado para a realidade do aluno ouvinte. Falta intérprete e se hoje tem professores, dá pra contar no dedo. Não basta só conhecer o básico, é preciso que tenham profissionais que entendam os componentes linguísticos, didáticos, metodológicos e culturais dessa diversidade do sujeito surdo”, diz.
A docente diz que são justamente essas barreiras que impedem que o aluno surdo tenha acesso ao ensino superior. A Lei 12.711/2012 ( Lei de cotas) garante a reserva de vagas para pessoas com deficiência nas universidades federais, mas essa é uma realidade que ainda está distante. “O Enem acaba sendo muito difícil, conseguir chegar até o certame. O surdo tem vida, tem sonho, e o acesso desse sonho é através do Enem”, lamenta.
Primeira turma de Letras/Libras da UFRA se forma nesta quinta-feira (05)
Para tentar contribuir na diminuição dessas lacunas, desde 2016 a Universidade Federal Rural da Amazônia (Ufra) é uma das universidades do Norte que oferece o curso de Licenciatura em Letras com habilitação em LIBRAS. A universidade forma sua primeira turma do curso hoje (05). A solenidade ocorre no campus Belém, auditório Waldir Bouhid, às 16h.
Os novos professores de Letras/Libras podem atuar no ensino fundamental e médio, ensino educacional especializado e como professor de ensino superior. “O projeto pedagógico do curso é voltado para formar professores de libras, e com ensino bilingue. O colegiado que está sempre estudando, discutindo, adicionado e retirando propostas e pensando nessa estruturo básica e habilidade linguista em Libras. Nós temos a preocupação de formar esses profissionais para que eles entendam, assimilem, e para quando chegarem no mercado de trabalho desenvolvam essa prática adquirida dentro do curso”.
O curso de Letras/Libras é ofertado anualmente a partir do Sisu, com oferta de 30 vagas. A Ufra adota a política de ação afirmativa com reserva de vagas para alunos surdos. Atualmente há cinco alunos surdos ainda em formação na UFRA, todos no Letras/Libras.
“Existem alunos surdos que entram no curso oralizados, ou seja, sem compreender a Língua de Sinais, e aprendem Libras durante as disciplinas. Cada surdo tem sua necessidade específica”, diz a professora. O material utilizado em sala de aula, como leituras e artigos, são traduzidos para Libras pelos intérpretes da universidade, seja com tradução simultânea (durante as aulas), seja com a gravação de vídeos, o que ocorre em um espaço cedido no Instituto Ciberespacial (ICIBE/UFRA).
“Não quero que as crianças sofram o que que eu sofri lá atrás, quero que elas vivenciem uma experiencia diferenciada, uma experiencia participativa, que dê oportunidade a ela de acesso a informação, e que consigam caminhar junto com o ouvinte nesse processo de aprendizagem. Que elas se desenvolvam igualmente. Eu quero ver essa universidade cheia de surdos, transitando entre ouvintes e sinalizando em língua de sinais”, finaliza.
Legislação
Em 2005, o decreto nº 5.626 incluiu a LIBRAS como disciplina curricular obrigatória nos cursos de formação de professores para o exercício do magistério, em níveis médio e superior, além de constar como disciplina optativa nos cursos de educação superior (no curso de Fonoaudiologia, é obrigatória) e na educação profissional. O decreto também estabelece regras para o uso e a difusão da língua e define o perfil do profissional para atuar na educação de pessoas surdas ou com deficiência auditiva, entre outros tópicos
Fonte: Universidade Federal Rural da Amazônia