Usando o lema adotado pelo movimento das pessoas com deficiência, “Nada sobre nós sem nós”, grande parte dos debatedores que participaram da sessão temática sobre o PL 4.909/2020, realizada de forma remota, nesta sexta-feira (21), defendeu a aprovação do texto para qualificar a educação bilíngue de surdos como uma modalidade de ensino independente.
O projeto em debate, de autoria do senador Flávio Arns (Podemos-PR) e relatado pelo senador Styvenson Valentim (Podemos-RN), sugere que a educação bilíngue de surdos tenha a Língua Brasileira de Sinais (Libras) como primeira língua e o português escrito como segunda língua.
Para esses participantes, a iniciativa é um passo importante para garantir uma política pública às pessoas surdas, oferecendo base linguística para que a inclusão possa acontecer de verdade.
A Professora da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), Marisa Dias Lima, que também é surda, explicou que a Declaração Universal dos Direitos Linguísticos garante que, dentro da educação, é preciso haver um incentivo ao direito linguístico do estudante e à sua cultura. Para ela, a inclusão de novos itens na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) vai promover a inclusão e o desenvolvimento da educação dos surdos.
— É preciso ver que, dentro da LDB, as crianças surdas precisam ser atendidas porque elas não têm escola. A LDB não está garantindo esses espaços com materiais específicos que garantam a cultura e a educação linguística dos surdos; profissionais formados para, especificamente, entender e conhecer a Libras. Nós temos de entender a cultura. Já está preservada a cultura dos indígenas, dos quilombolas, mas a LDB ainda não incluiu os surdos. Então, é preciso fazer essa atualização — explicou.
Já a diretora de Políticas Educacionais e Linguísticas dos Surdos da Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos (Feneis), Flaviane Reis, também portadora de surdez, destacou que todas as pessoas com deficiência possuem uma língua, mas que a identidade linguística do surdo é própria. Para ela, o sistema inclusivo não funcionou e acabou afastando os estudantes surdos das escolas e das universidades no país.
— E é preciso informar que o Projeto de Lei 4.909, que garante a modalidade do ensino regular como educação bilíngue de surdos no ensino regular, as instituições, as universidades. Há muitas instituições, pesquisadores, acadêmicos, profissionais que reconhecem essa importância para a comunidade surda. E é importante incluir essa modalidade na LDB — defendeu. O texto em discussão foi apresentado pela Feneis ao senador Flávio Arns.
— Nós queremos pedir: por favor, coloquem-se em nosso lugar e respeitem o apelo da comunidade surda pela criação da modalidade bilíngue, porque somente assim nós vamos garantir uma educação bilíngue de qualidade para a formação de cidadãos plenos e autônomos. A nossa luta é pelo direito linguístico. E essa audiência temática é para mostrar que a Libras é o nosso direito. Então, novamente eu peço: ouçam a comunidade surda; votem o PL — pediu.
Surdos oralizados
Já o vice-presidente da Associação Nacional dos Surdos Oralizados (Anaso) e presidente da Associação de Deficientes Auditivos, Pais, Amigos e Usuários de Implante Coclear do Pará (Adeipa), Eduardo Moreira de Souza, pediu que o projeto seja ajustado colocando a Libra como primeira língua apenas para o surdo sinalizante, já que, conforme explicou, o surdo oralizado se expressa no idioma oficial do nosso país por terem tido contato com a língua antes da surdez.
— Ao ingressar na escola regular pública ou privada e no ensino superior, a única coisa que os surdos oralizados possuem de direito é a Libras, e muitos são pressionados por escolas e faculdades a aprenderem como primeira língua, pois há um grande estigma em sociedade de que os surdos são só aqueles que se expressam por Libras. Ledo engano! — disse ao pedir que as demandas educacionais dos surdos oralizados sejam atendidas pelo poder público.
Segregação
Única a se posicionar contra o projeto, a mestre e doutora em educação pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Rosangela Machado, disse que a iniciativa não reconhece os benefícios e a potência da escola comum para os estudantes surdos. Ela lamentou não identificar empenho por parte da Feneis para melhorar a escola regular e pediu a suspensão da tramitação do texto por prever que a alteração na LDB vai incentivar a segregação desses estudantes ao optarem por escolas especiais.
Tanto o autor da matéria como o relator elogiaram o debate como forma de avançar e promover os ajustes necessários ao texto. Flávio Arns enfatizou a demanda dos surdos oralizados e sinalizou alterações na proposta para atendê-los.
— O Eduardo colocou uma coisa muito importante, nós temos essa diversidade dentro da área da surdez, nós temos as pessoas oralizadas. Ele chamou essa diversidade, a gente tem que sempre levar em conta isso, em qualquer área. Nós temos a área da surdez, os oralizados através de próteses auditivas, de implantes cocleares, de tecnologias dentro da sala de aula e nós não estamos falando dessas pessoas, nós estamos falando das pessoas surdas — vamos usar a expressão “siinalizantes — afirmou o autor.
Sessão 100% acessível
A sessão remota desta sexta-feira foi a primeira 100% acessível do Senado Federal com Libras, audiodescrição e legendagem. Os convidados se expressaram em Libras (Língua Brasileira de Sinais) e tiveram seus próprios intérpretes de voz, além do cuidado de iniciar suas falas descrevendo aos participantes suas características físicas e do ambiente onde se encontravam.
A requerente da sessão, senadora Mara Gabrilli, reconheceu que a o debate ficará para a história como um marco para promoção de uma maior inclusão.
— A gente tem nesta sessão todos os recursos de acessibilidade para permitir a ampla participação das pessoas com deficiência — disse.
Fonte: Agência Senado