O ensino de crianças surdas em português e Língua Brasileira de Sinais (Libras) ao mesmo tempo é uma das prioridades da Secretaria de Modalidades Especializadas de Educação (Semesp) do Ministério da Educação. O ensino bilíngue, considerado recurso importante para que a criança surda avance na aprendizagem e na socialização, está previsto no Decreto nº 9.665/2019, que definiu as funções da Diretoria de Políticas de Educação Bilíngue de Surdos.
“Estamos iniciando para implementar o ensino bilíngue em todo o país”, explica Karin Strobel, titular dessa diretoria. “Normalmente, a criança ouvinte chega na escola sabendo sua língua materna, mas, no caso dos surdos, a escola bilíngue tem a possibilidade de abrir o espaço para trabalhar com a sua língua natural, a libras.”
A professora doutora Ana Regina Campello, chefe de gabinete do Instituto Nacional de Educação de surdos (Ines), órgão vinculado ao MEC, concorda: “O ensino bilíngue, nos vários estudos e pesquisas, oferece ao aluno surdo melhores condições de aprendizagem e de fomentar sua autonomia linguística.” Ela afirma que o instituto conta com o apoio da Semesp para firmar uma diretriz padronizada do ensino bilíngue nacionalmente.
O fomento para a criação de escolas bilíngues de surdos em todo o país está previsto no artigo 35 do Decreto nº 9.665/2019. O decreto define também, entre as competências da Diretoria de Políticas de Educação Bilíngue, planejar, orientar e coordenar a implementação de políticas de educação bilíngue que considerem a libras como primeira língua e a língua portuguesa escrita como segunda.
Comemoração – O Dia Nacional da Libras é comemorado em 24 de abril porque foi nessa data, no ano de 2002, que a Lei 10.436 reconheceu a língua brasileira de sinais como meio legal de comunicação e expressão. Foi só em 22 de dezembro de 2005, porém, que o Decreto 5.626 regulamentou essa lei, incluindo libras como uma disciplina curricular obrigatória na formação de professores surdos, professores bilíngues, pedagogos e fonoaudiólogos.
Esse decreto também trata da formação de docentes para o ensino de libras. De acordo com o texto, a formação deve ser realizada em nível superior, em curso de graduação de licenciatura plena em letras-libras, no caso de professores de ensino fundamental, médio e superior, e em curso de graduação de pedagogia, no caso de professores de educação infantil.
Cinco anos depois, as conquistas para o ensino de surdos no país continuaram: a lei n° 12.319/2010 regulamentou a profissão de tradutor e de intérprete de libras.
Karin Strobel destaca ainda que as pessoas surdas têm direitos linguísticos assegurados pela Convenção sobre Direitos das Pessoas com Deficiência, criada em 2006 pela Organização das Nações Unidas (ONU). O documento prevê, entre outras coisas, a “facilitação do aprendizado da língua de sinais e promoção da identidade linguística da comunidade surda”.
Experiência – Michelle Arrais foi diagnosticada com surdez quando tinha um ano de idade e conheceu a língua brasileira de sinais aos 14, por intermédio de uma amiga, também surda. Hoje, a professora de libras defende que crianças surdas sejam alfabetizadas em libras e em português ao mesmo tempo, o que facilitaria a aprendizagem e sociabilização com as outras crianças.
Michelle ressalta a importância de que crianças surdas aprendam desde cedo a língua brasileira de sinais, cujo dia nacional é celebrado nesta quarta-feira, 24 de abril. “Quando conheci crianças surdas numa escola bilíngue em Recife, eu fiquei tão admirada por elas. Elas entendem todas as perguntas, expressam melhor as frases em contexto em libras e em português escrito. Com certeza, seria melhor o ensino bilíngue para as crianças surdas”, explica.
Apesar de não ter tido essa oportunidade, Michelle Arrais conseguiu formar-se em arquitetura, área em que atuou por sete anos até decidir investir na vida acadêmica. Ela conta que estudou em uma escola inclusiva e particular, sem intérprete nem disciplina de libras e que, a partir da quinta série, precisou ter um reforço para entender os conteúdos. Na faculdade de arquitetura, teve intérpretes e conseguiu um desempenho melhor.
“O curso de licenciatura de libras foi o melhor curso, acessível para todos; os professores, surdos e ouvintes sabiam sinalizar libras sem ser necessário um intérprete acompanhante. Isso me deixou mais independente e foi marcante na minha vida”, relata. E essa é a proposta da educação bilíngue: alfabetizar as pessoas surdas na língua brasileira de sinais para que, desde crianças, elas possam ter autonomia para se comunicar e aprender.
Famílias – O apoio das famílias é essencial para que as crianças surdas possam desenvolver melhor a língua de sinais. O ideal, afirma Ana Regina Campello, é que os familiares também aprendam a se comunicar em libras o mais cedo possível. “O engajamento da família no aprendizado de libras é fundamental para que todos os possam interagir de maneira harmoniosa, sem conflito, objetivando o alcance de uma melhor comunicação no desenvolvimento dos filhos até a vida adulta”, explica.
“Sempre me orgulhei de ser surda desde nascença e agradeço à minha mãe por ter me ensinado a voar para me tornar independente desde cedo”, conta Michelle. “Atualmente, sou independente e consigo batalhar tudo sozinha, seja com a comunicação oralizada, sinalizada ou em português escrito”, completa.
Fonte: http://portal.mec.gov.br/component/content/article?id=75321